Tratamento de Fobias Específicas (confissões de uma pessoa fôbica)

Tratamento de Fobias Específicas: intervenção de dessensibilização ou psicanalise?, Tratamento de Fobias Específicas (confissões de uma pessoa fôbica)

Desde que iniciei minha formação em Psicanálise Clínica*, está é a primeira redação na primeira pessoa que desenvolvo. Isto porque, ao estudar sobre as psicopatologias, quis pinçar minha própria experiência (vivência) de duas fobias para abordar um questionamento sobre a eficácia do tratamento de dessensibilização tão badalado na internet para os casos de transtorno de fobias. Ou, colocando de outra maneira, se não seria a Psicanálise a terapia mais efetiva nestes casos.

Quando o mundo mergulhou na trágica pandemia Covid-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2 – e ainda continua sob seus efeitos, superando pouco a pouco esse tão letal problema saúde pública – vi-me submetida a uma experiência muito consciente de medo e alegria simultâneos e da mesma intensidade, inicialmente.  

Como uma pessoa portadora de algumas comorbidades, eu estava tendo o “privilégio” de fazer parte dos grupos apontados como prioritários a receber as primeiras doses de imunização, com as vacinas salvadoras de vida.

Era tudo muito dramático como as tragicomédias da antiguidade. Personagem principal da minha pequena tragédia grega, via-me em batalha comigo mesma  e mais ninguém: uma parte de mim, cheia de vontade, consciente da oportunidade ímpar e de que era preciso oferecer o braço à (espetada temida) agulha da imunização que poderia estar salvando minha vida; a outra parte, desolada, em pânico, desejando desesperadamente que aquilo não tivesse que ser daquela maneira, que a imunização pudesse vir em drágeas, sprays, pomadas, enfim, qualquer  intervenção medicinal que não envolvesse o objeto do meu mais profundo ódio e temor.

Na minha mente, tive que fazer uma consciente discussão muito pessoal sobre o que era mais importante, se o meu pavor real de agulha de injeção, seja lá qual for o tamanho ou espessura, ou o meu desejo de não morrer, de não ser uma das milhares de vítimas entubadas que sucumbiram ao vírus ou de não fazer parte das estáticas dos que sobreviveram e agora sofrem com as sequelas. Tive que fazer com que o meu medo de me ver na situação de vítima da Covid-19 fosse mais forte que o meu medo da agulha, pelo menos momentaneamente.

Relutando contra essa fobia poderosíssima de injeção, fiz cadastro, aguardei o dia e fui ao local de vacinação. Posso dizer claramente que “não venci” meu medo, de forma alguma. Apenas usei uma estratégia de desviar dele, por um tempo, ocupando minha mente com os detalhes da importante ação em si: fila aborrecedora, documentação necessária e quaisquer outras coisas afins, tudo para não pensar no momento fatídico.

É assim que sempre fiz quando se tornava inevitável o traumático momento da agulhada, seja para exames, seja para tratamento, seja para vacinação. Sempre que sou obrigada a passar por esses tais procedimentos de saúde, eu preciso de uma companhia que entenda o meu problema, que não ache que é frescura ou um medinho que a gente possa vencer tão somente porque alguém diga: calma, é só uma agulha. Nem dói.

Dói. “Dói” antes, durante e depois, às vezes, mas principalmente, antes e durante. São momentos de pura agonia, desespero e de grande esforço de força de vontade. Antes e durante são verdadeiros momentos de infelicidade para mim e creio que para todas as pessoas que convivam com uma fobia assim tão intensa.

Definitivamente, dói quase que como das duas vezes ocorridas, há muito tempo, na minha infância, quando experimentei dois episódios de pânicos envolvendo agulha de injeção (no hospital) e agulha de vacinação (na escola primária), familiares e profissionais de saúde despreparados para amparar uma criança amedrontada e sem empatia alguma para com sua situação de vulnerabilidade diante no tratamento invejável que lhe apavora.

Para fugir dos “maus tratos”, tanto na escola como no hospital, a saída foi gritar muito, espernear muito, chorar muito, já que não me vinha a mesma coragem que tiveram os demais, de correr e até pular as janelas altíssimas para crianças, para fugir daquela tortura. Desde essas experiências, por mais consciência que eu tenha, nunca mais superei aquele medo. Tornou um peso que carrego até hoje e com a qual tenho que lidar constantemente, sempre que seja preciso um medicamento ou um exame que envolva agulhas.

É adoecedor travar a batalha eterna de viver com uma fobia

Creio que o que me possibilita enfrentar – quando não é de forma alguma possível evitar ou contornar! – é o que Freud definiu como pulsão de prazer e pulsão de morte, na sua teoria do desenvolvimento psicossexual(1). Percebo claramente esse embate dentro de mim e posso dizer que, de alguma forma, é adoecedor ter que travar tal batalha à cada momento em que o assunto gire em torno de uma agulha de injeção e sua espetada indesejada na minha pele. Sei que venço, mas não tem sabor de vitória, vez que tenho consciência que na próxima vez será igual e sofrerei igual. O medo paralisante está em seu mesmo lugar, não foi superado.

Muito se tem falado sobre o tratamento de dessensibilização para os casos de transtorno de fobias e teóricos e terapeutas da abordagem cognitivo-comportamental a consideram de grande eficácia nos casos das diversas fobias.

No entanto, refletindo sobre a fobia de agulha de injeção e outras fobias como aracnofobia, Ofidiofobia (medo irracional de cobras ou serpentes) ou a tripofobia, instaura-se o questionamento se essa terapia cognitivo-comportamental de dessensibilização teria eficiência sobre tais casos específicos de fobia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica as fobias como transtornos mentais e de comportamento e as define como um medo irracional, desproporcional e persistente de um estímulo que não oferece perigo real à pessoa, mas que lhe causa importante sofrimento (CID-10)(2).

Entre os tipos de fobias, estão a agorafobia, as fobias sociais (medo de humilhação em vários contextos sociais, como falar em público, ou mesmo de urinar em um toalete público)(3) e as fobias especificas.

De acordo com Turner(4), o método da dessensibilização sistemático visa eliminar os comportamentos de medo e evitação com emissão de respostas assertivas, baseando-se, para isso, na extinção, no contra-condicionamento e na habituação. Ou seja, o paciente é levado à exposição ao objeto, animal ou situação fóbica, de modo gradativo, supervisionado, em várias sessões, até que o objeto ou animal ou situação já não lhe cause medo, a fobia.

Na terapia cognitiva e as terapias breves para tratar as fobias em geral e as sociais, tem-se alcançado bons resultados, de acordo com profissionais e pesquisadores, mostrando-se mais eficazes que a psicanalise, levando-se em consideração que esta pode enfrentar, via de regra, o importante obstáculo do próprio paciente em abordar o objeto de sua fobia.

Os estudos indicam a psicoeducação, a dessensibilização sistemática e a exposição ao vivo como as melhores estratégias para o sucesso no tratamento da fobia (Lotufo Neto, 2011)(5).

A bem da verdade, não há discordância de que essa intervenção pode ser a mais recomenda e com maior possibilidade de alcançar melhores resultados para ajudar aos pacientes fóbicos, contudo, talvez essa certeza se dê especificamente para transtornos fóbicos de agorafobia e sociais, uma vez que são medos irracionais, quase sempre, são medos irracionais e que podem mais facilmente sem superados, com um trabalho consistente de “desmistificação” do objeto fóbico.

A exemplo dessa possibilidade real de alcance de bons resultados na cura desse tipo de medo infundado está o que listei no início desta narrativa como a segunda das duas fobias que seria por mim abordas aqui. Vamos a ela.

Até meus tempos de universidade, para graduação em comunicação social, eu tinha um tremendo medo infundado de cemitérios. Era tão profundo que não conseguia visitar, entrar em um, muito mesmo participar de um enterro, ainda que fosse de uma pessoa de minha simpatia. O máximo que eu conseguia, ainda que contragosto, era participar de um velório, porém com um visível mal-estar e levava dias impressionada.

Foi fazendo um trabalho cinegráfico de um documentário sobre o Dia dos Finados que me vi obrigada a conviver em vários cemitérios por uns quase dois dias antecedentes e o dia próprio, do feriado fúnebre. Do primeiro dia, na primeira visita até a finalização das filmagens em passeio por um processo natural e consciente de dessensibilização, pois, no início, “voava” por cima dos túmulos e enfiada o pé em qualquer lugar numa velocidade extrema que não desse tempo para “nada” agarrar-me pelo pé. Eu era puro medo e pavor. Por fim, ao final do trabalho, me vi sentando-me sobre um tumulo aqui outro ali, para conseguir um melhor ângulo.

Ora, se, naturalmente, alguém pode superar um forte medo por reconhecer, por experiência, que ele é infundado, garantidamente podemos acreditar na cura de uma fobia social, por exemplo, com uma intervenção como a dessensibilização sistemática.

Desensibilizar fobias específicas ajuda ou agrava?

Mas, a questão é saber o que passa com as fobias específicas, porque elas não são fobias “irracionais” no sentido em que elas são, quase sempre, resultantes de experiências traumáticas vividas em outros tempos, geralmente na infância ou adolescência da pessoa fóbica. Tais experiências traumáticas podem ser conscientes ou inconscientes, quanto ao objeto causador da fobia (seja objeto material, seja um animal, seja uma situação vivenciada), contudo, provavelmente, são inconscientes em relação às causas que não estejam permitindo que a pessoa supere o transtorno.

Assim, retornando à primeira fobia abordada aqui, eu, na condição de pessoa fóbica, tenho consciência de que uma agulha de injeção não vai me matar, mas ainda assim, por motivos alheios à minha consciência, “morro de medo” dela.

De Jongh & Ten Broeke (1998, 2007)(6) destacam que ainda são insipientes os estudos avaliativos da eficácia das técnicas de exposição (dessensibilização sistemática) para casos de fobias específicas que se originam após episódios traumáticos, como os acidentes de carro, medo de engasgar, medo de cão (mordidas). Até porque não é plausível e nem humano submeter uma pessoa a mordidas de cães ou a um acidente veicular, sob alegação de tratamento (de sua fobia).  Os pesquisadores lembram ainda que a própria antecipação destes eventos pode tornar as situações temíveis.

Assim sendo, os autores consideram que a terapia conhecida como Dessensibilização e Reprocessamento através dos Movimentos Oculares (EMDR, em inglês) talvez nao seja a mais eficaz e confortável paras os pacientes em tratamento de suas fobias específicas.

Da nossa parte, concordando com eles, e acentuamos que os melhores resultados para o enfrentamento e superação de uma fobia específica, originada de uma experiência traumática em fases anteriores da vida do paciente, poderiam ser alcançados com a adoção de terapias psicoanáliticas, para que, através do método de associação livre, seja possível investigar o inconsciente e nele identificar as causas da fobia que se perpetua em looping.

Também pela Psicanálise, é possível facilitar ao paciente, guiando e acompanhando no seu processo de “trazer para o consciente aquilo que está inconsciente” (Freud, 1856-1939) e, de tal forma, propiciar ferramenta para compreender o que se passa e qual caminho melhor para cada caso) pode ser percorrido para superação do transtorno e o restabelecimento do bem estar psíquico e mesmo social.

Referências Bibliográficas

  • Tópicos Avançados em Sexualidade. MÓDULO 5. Curso de Formação em Psicanálise Clínica. 2022. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com. Acesso em 03/06/2022.
  • Organização Mundial da Saúde (1993). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clinicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed.
  • Fobias. MÓDULO 7 – PSICOPATOLOGIAS (PARTE II) – pág. 44. Curso de Formação em Psicanálise Clínica. 2022. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com. Acesso em 07/06/2022.
  • Turner, R. M. A. Dessensibilização sistemática. In V. E. Caballo (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 167-195). 2002. São Paulo: Santos.
  • Lotufo Neto, F. (2011). Fobias específicas. In B. Rangé (Org.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria (pp. 19-310). Porto Alegre: Artmed. 
  • Tratamento de fobia específica por dessensibilização e reprocessamento por meio dos movimentos oculares. Periódicos Eletrônicos de Psicologia. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872014000100003 Acesso em: 08/06/2022.

(*)Texto originalmente criado em junho de 2022, como trabalho de redação durante curso de “Psicanálise Clínica, do Instituto Brasileiro de Psicanálise.

ATUALIZAÇÃO:

Em 10.12.2022, tomei a minha quarta dose da vacina contra Covid-19, e pude desfrutar do imenso auxílio psicológico que a psicanálise me proporcionou na superação/conscientização da fobia de agulhas e pude incluise olhar para a seringa e sentir apenas a miníma dor da espetada da agulha, e não mais o pânico que tomava conta da minha mente, exacerbando a intensidade da dor e da experiência! Ainda é cedo para dizer que a fobia esteja superada de vez, mas foi maravilhoso sentir-me livre da prisão do medo irracional🙏🏿


Descubra mais sobre Goeie Life

Assine para receber os posts mais recentes por e-mail.

Sobre o(a) autor(a)

Psicoterapeuta, comunicadora e produtora de conteúdo para redes sociais, autodescoberta em TEA, abraçou a terapia pela palavra para somar psicanálise clínica e comunicação à missão de facilitar processos de autoconhecimento, autodescoberta e autocuidado, que resultam em formas mais saudáveis de tornarem a vida mais plena e significante.

error: