Resistência no tratamento psicoterapêutico é obstáculo ou oportunidade?

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(…) Foi como obstáculo à elucidação dos sintomas e à progressão do tratamento
que a resistência foi descoberta por Freud. (1)

Desde os primórdios de sua carreira como médico psiquiatra, o neurologista Sigmund Freud já observava a ação de um fenômeno psíquico influenciando, negativamente, o tratamento dos pacientes pela hipnose. Tal fenômeno foi chamado de resistência e permeou a teoria e o método da Psicanálise, por ele criada.

Em seu artigo Hipnose (1891), Freud indica que “sempre que surge uma intensa resistência contra o uso da hipnose, devemos renunciar ao método e esperar até que o paciente, sob a influência de outras informações, aceite a ideia de ser hipnotizado”(2).

A percepção da manifestação do fenômeno da resistência no processo de cura ficou ainda mais evidente, para o psicanalista, durante o tratamento da paciente Srta. Elisabeth Von R.

“Parecia haver impedimentos de cuja natureza eu não desconfiava na época” (Breuer & Freud), relata o psiquiatra sobre suas tentativas, em vão, de colocá-la em hipnose profunda e, não conseguindo, lançava mão da técnica da pressão, que também não surtia o efeito desejado (o estado hipnótico da paciente para a realização do tratamento).

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Atento à previsível atuação nos casos de tratamento clínico, Freud vai observar fenômeno da resistência também no modelo por ele proposto como psicoterapia para pacientes com sofrimento mental: a Psicanálise e sua associação livre e escuta atenta.

Expressar livremente tudo que vier à cabeça e ter alguém para ouvir atentamente e investigar as causas de angústias, medos, fobias, traumas, sofrimentos psíquicos diversos, pode, à primeira vista, parecer algo mais que banal e perfeitamente realizável.

Até pode, mas não o é. Ao criar o método psicanalítico para tratar as doenças da mente, Freud entendeu que é possível se alcançar a cura pela fala. Isto porque estava convencido de que havia algo além do que estaria aparente, sendo aquilo que se manifestava apenas sintomas de algo muito bem resguardado no inconsciente do/a analisando/a, ou seja, recalcado.

Para ele, era preciso fazer com que o recalcado viesse à tona (tornar consciente o inconsciente), para ser traduzido, interpretado e ressignificado, libertando o/a paciente do sofrimento. Assim, ele estabelece a Livre Associação das Ideias (3) como base para o seu método.

O Aparelho Psíquico em ação para bloquear sofrimento e traumas

Ora, se o sofrimento é causado pela censura do superego (esforço para impedir que determinadas emoções, lembranças, pensamentos, ideias, representações ou desejos causem problemas ao Ego), ou seja, não deixar passar para a consciência aquilo que lhe causou danos, traumas, dores, certamente não pode ser simples e fácil, trazer esse sofrimento à baila, sem a estratégica adoção de uma metodologia e suas eficazes ferramentas de trabalho.

Tampouco, sem compreender, ao mesmo no nível básico, como funciona a mente humana e como se dá o desenvolvimento psicossexual de cada pessoa.

Comecemos, por isso, então.

O aparelho psíquico, de acordo modelo topográfico da mente apontado por Freud, é composto por três instâncias espaciais, sendo elas o Inconsciente (Ic), o Pré-Consciente (Pc) e o Consciente (Cs), assim como por uma estrutura funcional também dividida em três instâncias, com funções específicas: Id, ego e superego.

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Estas instâncias vão surgindo e se desenvolvendo, desde o nascimento da criança, à medida que o aparelho psíquico da pessoa vai sendo construído, normalmente nos primeiros anos ainda da infância, seguindo o transcurso dinâmico das cinco fases de desenvolvimento psicossexual (Oral, Anal, Fálica, Latência e Genital).

Nesse processo de desenvolvimento psicossexual da libido, o Id é a parte mais primitiva, surgindo junto com a própria pessoa, pois é a própria fonte da energia libidinal, sendo regido pelo princípio do prazer.


O Ego, por sua vez, se desenvolve a partir do Id, resultante da tomando consciência, por parte da criança, de sua própria identidade, sendo regido pelo princípio da realidade.

O superego, por último, forma-se após o Ego, durante o esforço da criança de “introjetar” os valores recebidos dos pais e da sociedade. Superego será, então, a censura, que determina o que é certo ou errado, e que guia o Ego a se comportar de maneira moral, inibindo e forçando o Ego, para conduzi-lo à perfeição, ao que é normalmente aceito.

Entendida a dinâmica da formação do aparelho psíquico, Freud propôs que os transtornos da psique, muitas vezes, estão enraizados no desenvolvimento problemática da libido.

O não desenvolvimento pleno e adequado dentro de alguma(s) dessas fases, estabelecerá o psicopatológico (sofrimento mental) no paciente, bem como pontos de fixação da libido e o retorno a esses pontos (fase prazerosa já vivenciada), como fuga de situação de angústia e castração.

Para evitar que uma possibilidade da experimentação da dor, da angústia, de algum trauma, anteriormente já vivida, o Consciente (Ego) é resguardado pelo Superego, que não permite que tais emoções, pensamentos, ideias, representações e desejos venham para o nível da consciência, ficando, portanto, recalcados (repressão psicológica) no Inconsciente.

A resistência no tratamento pode indicar o caminho para a cura do sofrimento

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O recalque será, portanto, a maneira defensiva que o psiquismo encontra para evitar que esses conteúdos censurados venham à tona e causem incompatibilidade com o Ego, desequilibrando-o. São mantidos, outrossim, no inconsciente, bloqueados, sem acesso da consciência, para não causarem conflitos.

Sempre e em qualquer oportunidade de acesso ao que está recalcado no inconsciente – inclusive em um trabalho de Psicanálise -, entrarão em ação as resistências. É uma situação similar a de um paciente com uma intensa dor física, causada, por exemplo, por uma ferida profunda na perna.

Mesmo estando de diante daquele que poderá lhe curar, retirando-lhe a dor e a doença, sua reação primeira, ao indicar o médico que fará limpeza da ferida, será a de afastar rapidamente a perna ferida, pela dor que sente com o necessário tratamento.

Assim também poderá agir um/a paciente em uma sessão de Análise Clínica, em um consultório psicológico ou psiquiátrico. Ainda que um sofrimento o tenha levado até ali, em busca de solução para acabar com a dor, mas isso não impede de temer o próprio tratamento, o medo de se expor e deixar transparente aquilo que adoece e maltrata.

De acordo com Greenson (1967), “as resistências defendem o status quo da neurose do paciente. As resistências se opõem ao analista, ao trabalho analítico e ao ego racional do paciente” (4).

Porém, algo muito importante de se observar é que a mesma resistência (de quem está em uma terapia psicanalítica) que pode ser verdadeiro obstáculo ao tratamento é também uma boa indicação do caminho mais seguro para a cura de seu sofrimento, porque tal resistência transferencial que ele estabelece no tratamento psicanalítico é a mesma com a qual esse paciente vem se debatendo ao longo do tempo da sua angústia que causa o conflito estabelecido dentro de sua psique.

É com sincero interesse na compreensão dos motivos da resistência daquele que busca pela cura, que aquele que pode facilitar essa cura deve agir, no chamado par analítico, para conseguir com que as palavras de Freud façam sentido para este analisando e o estimule a expressar aquilo que grita por dentro e ecoa por fora:

“Diga, pois, tudo que lhe passa pela mente. Comporte-se como faria, por exemplo, um passageiro sentado no trem ao lado da janela que descreve para seu vizinho de passeio como cambia a paisagem em sua vista. Por último, nunca se esqueça que prometeu sinceridade absoluta, e nunca omita algo alegando que, por algum motivo, você ache desagradável comunicá-lo” (Freud, “Sobre o Início do Tratamento”, 1913, p.136).

Referências Bibliográficas

(1) (4) MÓDULO 10 – TÓPICOS AVANÇADOS EM CLÍNICA PSICANALÍTICA – pág. 04-05. Curso de Formação em Psicanálise Clínica. 2022. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com. Acesso em 16/06/2022.
(2) Breuer, J., & Freud, S. (1895/1987). Estudos sobre a histeria. In S. Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 2) (2 ed.). Rio de Janeiro: Imago.
(3) VIEIRA, Paulo. Como funciona o método da Associação Livre? Psicanálise Clínica, 2018. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/metodo-da-associacao-livre-em-psicanalise/. Acesso em 16/06/2022.

Sobre o(a) autor(a)

Psicoterapeuta, comunicadora e produtora de conteúdo para redes sociais, autodescoberta em TEA, abraçou a terapia pela palavra para somar psicanálise clínica e comunicação à missão de facilitar processos de autoconhecimento, autodescoberta e autocuidado, que resultam em formas mais saudáveis de tornarem a vida mais plena e significante.

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