O trabalho de cuidados no Brasil finalmente entre as prioridades para o país

mulher cuidando de pessoa idosa

As mulheres dedicam, em média, quase 10 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas.

Tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, a invisibilidade do trabalho de cuidados realizado, principalmente, pela mulher no Brasil é uma das pautas prioritárias para o país, por trazer, na sua essência, a urgente necessidade do enfrentamento da desigualdade de gênero no país, segundo o Governo Federal.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, as mulheres dedicaram 9,6 horas por semana a mais do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas.

Cerca de 92% das mulheres com 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas no período analisado, enquanto apenas 80,8% dos homens desse grupo etário estavam envolvidos nessas atividades. Os homens da região Nordeste mostraram a menor taxa de realização: 73,9%.

O trabalho de cuidados remunerado também é fortemente marcado pelas desigualdades. No Brasil, quase 75% do total de postos de trabalho no setor é ocupado por mulheres. Isso equivale a aproximadamente 18 milhões de mulheres exercendo funções domésticas, de cuidadoras, professoras até o ensino fundamental, pessoal da enfermagem, médicas, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outras.

A principal categoria ocupacional do setor de cuidados é a de trabalhadoras domésticas. Os dados mais recentes indicam que 93% da categoria é formada por mulheres e que, destas, 61% são mulheres negras.

Trabalho crucial, mas subvalorizado e mal compreendido

“O cuidado é um trabalho. Envolve afeto e amor, mas é um trabalho. A sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, o fato de não ser dividido adequadamente entre as famílias, faz com que as mulheres tenham que dedicar um tempo enorme a esse trabalho de cuidados, e isso muitas vezes impede que elas exerçam seus direitos em outros âmbitos das vidas como, por exemplo, a conclusão da sua trajetória profissional e inserção no mercado de trabalho”, explicou a secretária Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Laís Abramo.

Iniciativa inédita na gestão, a criação da Secretaria Nacional de Cuidados e Família tem a missão de formular uma política integrada sobre o tema, garantindo esse direito a todos os cidadãos.

“Ao cuidar de uma pessoa, ao garantir que essa pessoa tenha condições de vida adequadas e que ela se desenvolva, é algo que diz respeito não apenas a essa pessoa ou à família, mas diz respeito ao conjunto da sociedade, para que ela funcione, para que o mercado de trabalho funcione, para que a economia funcione. São funções cotidianas que têm que ser feitas. São todas atividades necessárias para a reprodução da vida cotidiana, como fazer comida, como limpar e organizar a casa”, explicou Laís.

Laís Abramo - Secretária Nacional de Cuidados e Família, do MDS
Laís Abramo – Secretária Nacional de Cuidados e Família, do MDS

Ela ressaltou ainda que, por não ser reconhecido como um trabalho, as mulheres acabam não sendo valorizadas pela tarefa do cuidado. “Muitas vezes, significa um número muito grande de horas diárias dedicadas a esse tipo de trabalho que vão terminar constituindo e criando barreiras muito fortes para elas em outras áreas da vida”, disse.

GRUPO INTERMINISTERIAL – Neste cenário, o Decreto Nº 11.460, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criou um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para formular um diagnóstico sobre a organização social dos cuidados no Brasil, identificando as políticas, os programas e os serviços já existentes. Serão elaboradas ainda as propostas para a Política Nacional de Cuidados e para o Plano Nacional de Cuidados.

Todas as pessoas, ao longo da vida, ofertam e demandam cuidados

Além da coordenação do MDS e do Ministério das Mulheres, mais 15 órgãos da administração federal integram o GTI: Casa Civil, Ministérios da Educação, da Saúde, do Trabalho e Emprego, dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Igualdade Racial, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Previdência Social, das Cidades, do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, do Planejamento e Orçamento, dos Povos Indígenas, a Secretaria-Geral da Presidência da República e a Advocacia-Geral da União.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), assim como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), são membros permanentes do GTI.

A criação da Política Nacional de Cuidados, de acordo com o governo federal, parte do princípio de que todas as pessoas, ao longo da vida, ofertam e demandam cuidados, sobretudo crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. No entanto, a organização dessa atividade no Brasil ainda é marcada por desigualdades.

Por isso, é importante investir em políticas de cuidados, que aumentem a disponibilidade e a qualidade da prestação do cuidado, independentemente da capacidade de sua provisão pelas famílias, contribuindo para o bem-estar das pessoas.

Essas políticas são também capazes de ampliar as possibilidades de inserção das mulheres no mercado de trabalho, contribuindo para reduzir as desigualdades de acesso e permanência no trabalho remunerado, gerando empregos, aumentando a renda das famílias e dinamizando outros setores econômicos inter-relacionados.

Aberta Consulta Pública para ouvir a população

O Governo Federal abriu, em 30 de outubro, uma consulta pública e um formulário eletrônico para ouvir a sociedade sobre qual Política Nacional de Cuidados é necessária para que a tarefa de cuidar das crianças, dos enfermos e dos idosos não recaia somente sobre as mulheres, mas seja reconhecida como responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da família.

A consulta pública visa ampliar a discussão sobre o tema, assegurando a participação da sociedade na construção do marco conceitual e na elaboração do documento guia para as ações.

A primeira parte da consulta está disponível na plataforma Participa Mais Brasil e diz respeito ao Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados, que inclui conceitos básicos que embasam a proposta e a definição dos sujeitos de direitos e públicos beneficiários, bem como princípios e diretrizes.

A segunda parte da consulta consiste em um formulário eletrônico que tem o objetivo de captar opiniões sobre o que se entende por cuidados e quais são as principais demandas relacionadas ao tema, assim como as propostas e sugestões para a Política Nacional de Cuidados.

O formulário estará disponível até o dia 15 de dezembro de 2023.

Marco conceitual: assegurar direito ao cuidado, promover a responsabilização social pelos cuidados

O Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados estabelece os princípios, objetivos e diretrizes da política. Os princípios incluem a universalidade, integralidade, transversalidade e responsabilização social. Os objetivos visam assegurar o direito ao cuidado, promover a responsabilização social pelos cuidados, garantir a autonomia e independência das pessoas que necessitam de cuidados, e incentivar o bem-estar e a qualidade de vida de todos.

As diretrizes orientam a promoção da equidade no acesso aos cuidados, o fortalecimento da autonomia e independência das pessoas que requerem cuidados, o desenvolvimento da capacidade de cuidado das famílias e comunidades, a promoção da participação social no cuidado, e o estímulo à inovação e ao desenvolvimento de tecnologias para o cuidado.

“O documento define claramente o conceito do que se entende por cuidado, bem como o público a ser priorizado pela política. Esses elementos, por mais que pareçam simples, quando não explicitados podem causar divergências de interpretações que dificultam as tarefas dos agentes que serão encarregados de conduzir as referidas etapas da política”, destacou o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea (Disoc), Carlos Henrique Leite Corseuil.

Os objetivos da política incluem, por um lado, a reorganização da provisão de cuidados no país, de modo a compartilhar a responsabilidade entre famílias, Estado, mercado, empresas e comunidades e, por outro, a redistribuição das responsabilidades de cuidado entre homens e mulheres. Por isso, incluem também garantia do direito ao cuidado a todas as pessoas que dele necessitam e o trabalho decente às trabalhadoras/es do cuidado, reconhecendo e enfrentando as desigualdades estruturais que caracterizam a sociedade brasileira, bem como valorizando, redistribuindo e reduzindo o trabalho de cuidados a cargo das famílias.

A primeira-dama do Brasil, Janja, com a equipe do MDS
A primeira-dama do Brasil, Janja, com a equipe do MDS

Existem atualmente no Brasil importantes políticas – em termos de ofertas de serviços, equipamentos, prestações monetárias, entre outras opções – que atuam diretamente no provimento dos cuidados e no compartilhamento das responsabilidades de quem cuida.

No entanto, muitas vezes estas políticas são ofertadas de forma pouco integrada a outras políticas ou ao território. E mais, ainda existem ausências importantes a serem superadas por meio de reformulação ou expansão da cobertura das políticas existentes ou pela criação de novas políticas.

Nas redes sociais, a primeira-dama Janja falou sobre o tema após a prova do Enem. “A política do cuidado ainda é muito recente e o debate está só começando, mas é urgente e extremamente importante dialogarmos sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado da mulher no Brasil. Nós, mulheres, continuamos sendo as principais responsáveis pelo trabalho de cuidado e enfrentamos muitos desafios diariamente para exercer essa função sem deixar de lado as tantas outras atribuições que a sociedade nos impõe. Colocar milhões de jovens e adultos que estão fazendo a prova do Enem para discorrer sobre o assunto é um estímulo importante para a construção da política e do plano nacional de cuidados que estamos construindo, e uma etapa essencial neste caminho para uma sociedade mais justa”, declarou.

Criação de lavanderias públicas

O governo anuncia que deverão ser investidos R$ 2,6 milhões do Orçamento Geral da União de 2023, além das contrapartidas previstas para os entes federados que celebrarem convênio para a criação de lavanderias públicas de uso comunitário em seus territórios. O valor máximo para obras e serviços de engenharia é de R$ 400 mil.

Além da disponibilização do espaço, as lavanderias comunitárias deverão desenvolver atividades formativas nas temáticas de economia feminista e divisão sexual do trabalho. Segundo Rosane da Silva, secretária nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, a decisão pelo lançamento do edital surgiu a partir de um diagnóstico feito pelo GTI.

O documento reconhece os impactos do trabalho doméstico na sobrecarga vivida pelas mulheres. De acordo com o Censo 2022, grande parte dos 90 milhões de domicílios brasileiros são chefiados por mulheres. Ao mesmo tempo, verifica-se uma “crise de cuidados”, ou seja, um esgotamento das estratégias familiares para satisfazer as múltiplas demandas de cuidados nos domicílios.

“O objetivo do edital é promover políticas públicas de cuidados para reduzir o tempo despendido pelas mulheres em trabalhos domésticos e de cuidados que devem ser compartilhados pelo Estado por meio da oferta de serviços e equipamentos públicos”, finaliza a secretária nacional Rosane da Silva.

Apoio à formação de mulheres em autonomia econômica

O Ministério das Mulheres lançou também edital para que organizações da sociedade civil possam apoiar projetos de formação com mulheres em autonomia econômica e cuidado, buscando a constituição de redes de multiplicadoras. As propostas podem ser enviadas até o dia 24 de novembro. Estão reservados R$ 6,5 milhões do orçamento de 2023 para custear os projetos selecionados.

Cada projeto poderá receber recursos de no mínimo R$ 300 mil e no máximo R$ 2,5 milhões, de acordo com as ações a serem implementadas e mulheres beneficiadas. As propostas devem prever atividades envolvendo uma ou mais de três temáticas:

Formação e auto-organização com mulheres em economia feminista, divisão sexual do trabalho e enfrentamento às desigualdades de gênero no mundo do trabalho;

Formação para autonomia e igualdade com mulheres para o combate à fome e à insegurança alimentar, economia solidária e processos de autogestão;

Formação com lideranças mulheres para fortalecer estratégias de organização e da atuação nos espaços de participação, com foco no trabalho. Além disso, as ações devem ter como eixo norteador a articulação e o fortalecimento de processos de organização com mulheres.

Link: Consulta Pública

Fonte: SECOM – Governo Federal


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