O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, em seu Artigo 1 prevê a liberalização do comércio entre os países membros, com o objetivo de se chegar, numa segunda etapa, a uma integração econômica.
Levando em conta seu objetivo inicial, o Mercosul, principal projeto da política externa do governo Lula/Dilma, está seriamente abalado e sem perspectiva.
A agonia do Mercosul começou com sua politização. A retórica e as decisões político/ideológicas passaram a prevalecer sobre a realidade econômica. Esqueceu-se que o Mercosul não é uma união de governos, mas de Estados. Prevaleceram as agendas nacionais sobre a agenda da integração regional.
A visão politicamente distorcida nos últimos 12 anos fez com que o objetivo comercial fosse perdido, com retrocesso em todas as áreas, e viesse a prevalecer uma ênfase indevida nas áreas politicas e sociais. Além da perda do sentido econômico-comercial original, ganhou força a visão de que o Mercosul deveria ser um bastião antiamericano, em torno do qual todos os países da região se reuniriam para lutar contra as investidas do “Império” na América Latina.
Colocados diante da opção Mercosul-EUA, o resultado não poderia ser outro: os demais países escolheram fazer acordos com os EUA. Só não fizeram isso o Mercosul e os bolivarianos. Mesmo reconhecendo seu impacto limitado para a estrutura produtiva nacional, sua relativa desimportância tecnológica e quase marginalidade para as necessidades brasileiras de modernização produtiva, o processo de integração sub-regional é um ganho político e econômico para o Brasil, por sua relevância no plano estratégico-diplomático.
As medidas restritivas contrárias ao Mercosul – sobretudo da Argentina, desviando nossas exportações para concorrentes asiáticos – e a insegurança jurídica, a falta de apoio para a defesa dos interesses setoriais e a dificuldade para integrar as empresas nas cadeias produtivas de valor agregado, tornaram o Mercosul, no momento atual, menos atraente para o Brasil. O protecionismo ilegal e defensivo gera uma atitude introvertida contrária aos interesses do Brasil.
Enquanto, a Ásia, por um lado, realiza ampla integração produtiva com acordos de livre comércio entre China, Japão e Coréia; entre a Asean e os EUA; e começa a se desenhar um acordo comercial entre a UE e os EUA, o Mercosul, de seu lado, só assinou três acordos comerciais (com Israel, o Egito e a Autoridade Palestina), sem maior relevância para o Brasil. A única negociação em curso do Mercosul é com a União Europeia.
Espera-se que, depois de mais de 12 anos, consigamos chegar a um acordo de livre comércio com os demais membros do Mercosul, mesmo que seja em velocidades e listas distintas de produtos. Caso isso não seja possível, o Brasil deveria libertar-se das amarras da negociação conjunta de produtos que poderiam ser liberalizados, para negociá-los separadamente com terceiros países.
O Mercosul não vai acabar, pois nenhum governo está preparado para assumir o ônus dessa decisão. O bloco, como exercício de abertura de mercado para os produtos brasileiros, porém, não tem futuro. O comércio entre os integrantes do grupo está crescendo pelo dinamismo dos empresários e apesar do Mercosul. Mantida a atual politica, o futuro do Mercosul é continuar a ser um fórum de discussões políticas e sociais, irrelevante do angulo econômico e comercial.
A fidelidade do Brasil ao projeto de integração é a única garantia da não desintegração do subgrupo regional. É por isso que o Brasil, ao contrário do que está acontecendo, deveria assumir sua liderança efetiva e propor medidas pragmáticas para restabelecer os objetivos econômicos e comerciais iniciais do bloco.
Fonte: Opera Mundi
Autor: Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington (1999-2004) e ocupou diversos cargos no Governo brasileiro e no Ministério das Relações Exteriores. Atualmente é consultor de negócios, Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, membro do Gacint (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP) e editor responsável da Revista Interesse Nacional.