O imóvel está localizado em Petrópolis, e foi usado como centro de tortura e morte na Ditadura. Inês Etienne Romeu, que lutava contra a ditadura militar, foi a única sobrevivente do local, após passar mais de três meses sendo torturada e estuprada, antes de ser jogada numa rua do subúrbio.
![Imagem da frente do imovel conhecido como casa da morte, em Petropólis, Rio de Janeiro.](https://i0.wp.com/goeie.life/wp-content/uploads/2019/02/casa-da-morte.jpg?resize=434%2C244)
“Casa da Morte” é o nome pelo qual ficou conhecido o centro clandestino de tortura e assassinatos criado pelos órgãos de repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985) instalado numa casa na rua Arthur Barbosa, 668 (atual Arthur Barbosa, 50), na cidade de Petrópolis (Rio de Janeiro).
A prefeitura de Petrópolis publicou, na quinta-feira, 31/01/2019, o Decreto que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, o imóvel conhecido como “Casa da Morte”.
A decisão da prefeitura foi tomada por recomendação do Ministério Público Federal.
As procuradoras da República Vanessa Seguezzi e Monique Cheker destacaram que o Conselho de Tombamento Municipal declarou, no dia 21 de novembro de 2018, a importância histórica e cultural do imóvel agora desapropriado.
No decreto, as procuradoras fizeram um histórico breve da importância do imóvel para a cidade de Petrópolis e também para a memória nacional de fatos ocorridos durante a ditadura.
Breve Histórico da Casa de “onde ninguém saia vivo”
O local foi usado como centro clandestino pelo Centro de Informações do Exército (CIE) durante a ditadura militar (1964-1985) e lá ocorreram casos de tortura e morte.
Identificado pelos militares como ‘Codão, o imóvel era conhecido como o lugar de onde “ninguém saía vivo”. Os mortos, na casa, eram depois esquartejados e enterrados nas cercanias. O número total de mortos nela é até hoje desconhecido, mas pelo menos 22 guerrilheiros foram trucidados em seu interior, segundo relatos.
Diversos presos políticos capturados foram torturados e assassinados por militares durante a década de 70, fato que só se tornou conhecido devido às denúncias da única sobrevivente, a dirigente da organização VAR-Palmares, Inês Etienne Romeu, que lutava contra a ditadura militar. A ativista foi cativa, estuprada e torturada por mais de três meses no local, antes de ser jogada numa rua do subúrbio do Rio quase morta, mas sobrevivendo para contar a história.
Quem foi Inês Etienne Romeu
Inês Etienne Romeu (Pouso Alegre, 18 de dezembro de 1942 – Niterói, 27 de abril de 2015) foi uma integrante da luta armada contra a ditadura militar no Brasil (1964–1985). Militante e dirigente das organizações de extrema-esquerda Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, VAR-Palmares e Polop, foi a única sobrevivente da Casa da Morte.
Em 1971, a estudante de História, bancária do Banco de Minas Gerais e integrante do quadro de comando da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, foi presa na manhã do dia 5 de maio, na Avenida Santo Amaro, zona sul da cidade de São Paulo, pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, delatada pelo camponês que a acompanhava no momento e que não foi incomodado pelos policiais, codinome “Primo”, sob a acusação de participar do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, ocorrido meses antes, no Rio de Janeiro, e levado a cabo por guerrilheiros da VPR comandados por Carlos Lamarca.
Inês foi levada para o DOPS, espancada e pendurada no pau-de-arara. Para escapar das torturas, ela inventou a seus captores que tinha um encontro com um guerrilheiro, em determinado local (“ponto”, no jargão da época) do bairro de Cascadura, no Rio de Janeiro. Transportada ao Rio de automóvel, ao chegar ao local, ela tentou suicidar-se, jogando-se na frente de um ônibus. Foi arrastada pelo ônibus, mas não morreu.
Ferida, após passagens pelo Hospital da Vila Militar, Hospital Carlos Chagas e pelo Hospital Central do Exército, foi levada para a Casa da Morte.
Ali, foi tortura, espancamento, choques elétricos e estupros até agosto. Além do pau-de-arara, a militante foi submetida a maltratos como ser obrigada, pelos carcereiros, a deitar-se nua sobre o cimento molhado, no inverno de temperaturas que chegavam até a menos de 10 °C, e ser esbofeteada no rosto até deixá-lo irreconhecível.
No seu calvário, Inês tentou o suicídio por quatro vezes, sendo mantida viva por médicos contratados pelos militares, a fim de que a tortura, os interrogatórios e as possíveis confissões sobre organização prosseguissem.
Nos relatos da sobrevivente, ela conta que foi informada de que sua tortura já não era mais para conseguir informação, mas era apenas por sadismo e pelo ódio que seu principal torturador, o então capitão Freddie Perdigão Pereira, (codinome:”Dr. Roberto”) sentia dos guerrilheiros. A morte da sindicalista chegou a ser anunciada, o que motivou uma carta de seus pais ao então comandante do I Exército, general Sylvio Frota, solicitando a entrega de seu corpo.
Contudo, após dois meses de tortura física e psicológica, sabendo-se condenada à morte pelos torturadores, ela aceitou a saída “de um honroso suicídio”, proposta por um deles, “Dr. Teixeira”, um oficial do exército não identificado. Ela pediu um revólver, mas seus algozes preferiam que sua morte se desse em público, com ela se jogando na frente de um ônibus, como tinha feito quando foi capturada.
![A bancária Inês Etienne Romeu, que foi torturada e violentada na Casa da Morte, durante a Ditadura brasileira.](https://i0.wp.com/goeie.life/wp-content/uploads/2019/02/In%C3%AAs-Etienne-Romeu-%C3%BAnica-sobrevivente-da-Casa-da-Morte.jpg?resize=385%2C499)
Levada a uma avenida, no dia em 7 de julho, Inês Etienne Romeu, ao invés de se atirar na frente de algum veículo, agachou-se e começou a gritar e chorar, agarrada às pernas de um de seus captores, chamando a atenção dos passantes. Foi então rapidamente conduzida e volta à casa e voltou a ser torturada por mais duas semanas, com choques elétricos, palmatórias e surras que desfiguraram seu rosto.
Neste período, foi obrigada a cozinhar nua, sofrendo humilhação de seus carcereiros, e foi estuprada duas vezes por um deles, “Camarão”, um militar de baixa instrução que atuava como caseiro na Casa da Morte e fora segurança do presidente João Goulart.
Assim como os outros presos da casa, Inês não deveria sair viva de Petrópolis. Contudo, segundo declaração de um de seus captores, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães (codinome: “Dr. Diablo”), feita mais de 40 anos depois, os torturadores cometeram o erro de libertá-la, acreditando que, depois de três meses de tortura e cativeiro, ela tivesse aceito o papel de infiltrada em sua própria organização.
Assim, a bancária Inês Etienne Romeu foi jogada na casa de uma irmã, em Belo Horizonte, pesando apenas 32 quilos. E, em 1979, Inês denunciou a existência da Casa da Morte.
Inês foi também a última presa política da ditadura militar libertada no Brasil. Ela faleceu em 27 de abril de 2015. Durante cerimônia oficial em Brasília e após discurso da ex-companheira de guerrilha e então ministra Dilma Rousseff, a sobrevivente recebeu o Prêmio Direitos Humanos, na categoria “Direito à Memória e à Verdade”, das mãos do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2009).
Clique aqui para ler o depoimento de Inês Etienne Romeu, em PDF
Ou clique aqui para ver online, no site da Fundação Fio Cruz.
Descubra mais sobre Goeie Life
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.