Até à corajosa decisão de Sigmund Freud (1856-1939) de mudar radicalmente a maneira como também ele tratava seus pacientes, os métodos de tratamento relativos aos transtornos mentais neuróticos, como a histeria, cientificamente adotados, no fim do Sec. XIX e início do Sec. XX, eram todos unilaterais e herméticos (seguindo-se rigorosamente o que determinava o conceito de normalidade daquela época e de paciente-doente).
Para aquela medicina, a doença mental seria mais uma doença física, gerada em algum órgão específico do corpo, como o fígado (produtor da bílis) ou o útero – visão científica que, por muitos séculos, contribuiu para a estigmatização da figura feminina na História como “histérica por natureza”, única a ser acometida pela doença (termo grego “hystera” que significa útero), uma vez que tal doença seria originária de um órgão que só ela, mulher, possui, o útero.
Como doenças do corpo físico, os transtornos mentais também recebiam tratamentos ortodoxos, nos quais regia curar a doença e o paciente era o objeto de cura. Nos casos em que o objetivo se tornava impossível de alcançar, eram os pacientes condenados ao isolamento social e sob tratamento permanente para mantê-los sob controle.
A relação médico-paciente seguia um modelo rigoroso de mão-única, em que nenhuma participação proativa do objeto de tratamento se fazia necessária, a não ser como objeto-receptor de tratamento, principalmente, nos métodos como o choque elétrico e a hipnose.
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A filosofia da Psicanálise influenciou a Comunicação dinâmica
Em termos de comunicação, poderíamos comparar com tais tratamentos com o modelo linear (Diagrama de Claude Shannon, 1948) (imagem acima), que é centrado no emissor – que transmite – uma mensagem – e um receptor a absorve.
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Tal modelo é excessivamente hermético e de passível de questionamento quanto aos resultados, uma vez que ele não apresenta ferramentas para auferir a eficácia de resultados (feedback). Em outras palavras, ele não confere proatividade para o receptor na ação, ausência essa justificada pelo fato de que o engenheiro elétrico e matemático criou o diagrama para a comunicação entre máquinas e não para humanos.
Sobre uma necessária proatividade do receptor para a eficácia de um ato de comunicação, o sociólogo Harold Lasswell (1902 – 1978) aponta, em sua teoria funcionalista, que o receptor não é um sujeito abstrato e passa a ser também objeto de análise e, que, portanto, não só o emissor ou a mensagem têm todo o poder sobre o indivíduo.
Curiosamente, mas não por acaso, Lasswell assemelha sua comunicação com a filosofia freudiana. Tendo estudado com um dos seguidores de Freud, Theodor Reik, ele adotou a metodologia de análise, da entrevista e da escuta proposta pelo Pai da Psicanálise para mensurar o estado emocional (dos participantes de suas pesquisas de comunicação).
Portanto, de certa forma, podemos atribuir a Freud o trunfo de ter sido um revolucionário também ao introduzir a comunicação social com ferramenta imprescindível no processo de cura dos transtornos psicopatológicos e substituta humanizadora das ferramentas alienantes dos choques e da hipnose.
Em seu trabalho de tratamento dos seus pacientes, o neurologista e psiquiatra de Viena também usou, nos anos iniciantes de sua carreira, os mesmos métodos adotados por seus pares da medicina na época. Contudo, a sua aguda observação o levou a perceber que o paciente, antes de ser um objeto de cura, é uma pessoa, um ser humano adoecido, e, assim, decide abandonar a hipnose quaisquer outro método para adotar o que o mundo passará a conhecer como Psicanálise (análise clínica de pessoas com sofrimento psíquico, através da comunicação com o paciente).
A essência dessa psicoterapia analítica criada por Sigmund Freud é o trabalho de “tornar consciente o inconsciente” e para tanto, seu criador estabelece a prática da Livre Associação de Ideias método para alcançar os conteúdos mais inconsciente da mente humana e, ali, no inconsciente, identificar as causas dos sintomas e das reações externamente manifestos da possível doença, incômodo, do conflito, do comportamento “anormal”.
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A filosofia da Psicanalise de Freud mudou os paradigmas dos tratamentos da doença mental
O aspecto mais revolucionário na filosofia freudiana foi sua percepção da existência de uma parte da psique na qual estariam recalcadas emoções e informações (inconsciente) que outra parte dessa mesma mente (a consciência) não acessava, devido ao dinâmico trabalho de uma terceira parte do aparelho psíquico (o pré-consciente).
Ainda dentro ciência freudiana, é possível expressar a mesma ideia acima da seguinte maneira: o psiquismo de uma pessoa está dividido em três partes: Id, Ego e Superego. Logo, há conteúdos que o Ego não acessa livre, que não vem para o nível consciente da mente, por estarem resguardados no Id (inconsciente) e censurados pelo Superego (o pré-consciente), para não virem à tona e causarem problema no equilíbrio mental da pessoa.
Tudo, ele afirma que tais conteúdos recalcados nos inconscientes sempre encontrarão formas de se fazerem manifestos, como através dos sonhos, dos atos falhos e lapsos, devaneios, dentre outros.
Fato pelo que o psicanalista Freud defendia que era preciso dar visibilidade para tais fenômenos psíquicos e, analisando-os, interpretar suas mensagens. Para isso, a Associação Livre de Ideias seria o caminho e para implementá-la, lançou mão de ferramentas como a Atenção Flutuante e a Escuta Ativa.
Ou seja, como médico neurologista e psiquiatra, Freud percebe que a comunicação é uma ferramenta efetiva para ajudar a encontrar a cura, estabelecer o bem-estar e o equilíbrio energético e, que essa comunicação não poderia ser unilateral.
Ao contrário disso, o receptor-paciente também ganha o protagonismo de ser relator daquilo que lhe acomete, ao falar livremente de tudo que lhe vem à mente, sem censura, sem roteiro prévio. E será ainda, em casos de um trabalho bem sucedido, quem decidirá o que fazer com aquilo que foi tomado consciência, o autoconhecimento alcançado com a análise clínica.
Neste método, o protagonismo está compartilhado entre mensagem (conteúdo da livre associação), emissor-analista e receptor-analisando, numa relação em que todos são partes importantes e atuantes em todo o processo.
Aparentemente, tudo que pode parecer muito simples a ponto de alguém mais desavisado pensar algo como “que fácil é essa tal psicanálise… Qualquer um pode fazer isso!”
Contudo, longe de ser o processo de Livre Associação das Ideias e a Escuta Ativa tão simplório, essa relação crucial num trabalho de Psicanálise é muito complexa e dispendiosa de muita energia psíquica dos participantes da cena de comunicação, isto porque, para o paciente requererá que ele se desvencilhe dos muitos recursos possíveis de censura interpostos por seu atento Superego, através dos mecanismos de defesa, e estabeleça uma relação de aliança terapêutica para possibilitar a transferência.
O paciente é convidado a falar livremente, como se estivesse olhando pela janela de um trem
![mulher jovem olhando pela janela de um trem](https://i0.wp.com/goeie.life/wp-content/uploads/2023/05/pexels-photo-3769007.jpeg?resize=925%2C670&ssl=1)
Portanto, o paciente se dispõe a ser “ouvido”, permitindo ao psicanalista dispor de elementos emocionais e informativos que estão alojados no inconsciente da mente daquele que está em tratamento.
Para o/a analista, portanto, compete o investimento energético no intenso trabalho de manter a (sua) mente em alerta e foco sempre, para acompanhar seu paciente em suas elucubrações e ser facilitador/a de seu processo de conscientização de sua própria história de vida.
É preciso estar atento à sua comunicação verbal e não verbal, às palavras e aos silêncios, o que manifesta e o que não manifesta. E tudo isso, também mantendo atenção à sua própria comunicação, ao que emite ao paciente, uma vez que ela também interferirá no feedback buscado.
A Escuta Ativa é igualmente absorvedora de muita atenção e muita energia por parte do/a analista, pois ela requer sensibilidade, empatia e compreensão, para estimular e manter o diálogo curativo.
Não por menos, a escuta ativa (juntamente com a Atenção Flutuante) se configura na principal ferramenta da Psicanálise Clínica. Na comunicação dinâmica, ela possibilita que exista interconexão real entre quem fala, quem ouve e o que se comunica.
Referências Bibliográficas
WIKIPEDIA. Disponível em: https://pt.frwiki.wiki/wiki/Claude_Shannon. Acesso em: 14/06/2022.
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